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"Dei por mim a pensar o que será isto do prazer e da falta dele. Ultimamente tenho sentido uma forte falta de prazer. Nada me satisfaz, e nada me faz sentido. Chegar aos trintas e alguns com esta sensação de hedonismo é uma tragédia kafkiana para o meu ser humano."
O prazer mudou de casa. Saiu de cena. É uma compulsão transformada em obsessão.
O presente já não é o agora, mas uma espécie de presente para ou no futuro. Há uma projecção constante no que vai ser, em prol do que (se) pode ser.
Há os que vivem em depressão por nunca conseguirem atingir o que a sociedade lhes impõe e, os que vivem em ansiedade pela antecipação provocada pelo que se vai obter. Perde-se o prazer, porque ele não acontece. Fica na ideia. Mas não na concretização. Adiam-se acções. Escrevem-se roteiros guiados. Perde-se a importância porque se procura vorazmente o consumo de tudo o que está à volta.
Se não temos prazer ou se este perde importância, não estará a nossa integridade humana ameaçada?
Considero que muitas das doenças mentais advém da incapacidade irreal de se viver o momento, e deste ser vivido com o prazer. Não se reflecte, nem se pensa profundamente sobre este aspecto. O prazer é tido como instantâneo. É voraz. É descartável. E, se não se pensa sobre ele, ele passa a ser um meio, e não um fim.
Ter prazer hoje em dia é sinonimo de poder, de uma nova relação amorosa, de um corpo perfeito, de ter mais dinheiro. Imposições Societárias. O que nos colocamos como principio desvia-nos no principio do prazer e da possibilidade de criar – Uma vida plena e satisfeita; mas sim uma projecção inacessível para e no futuro. Voltamos a Freud e à histeria. Uma histeria de tanta incitação.
As vezes deveria saber bem regressar à Grécia antiga. Tal cultura aclamada, onde a reflexão é quase “budaíca”. Em constante reflexão. E, por falar em budas, em constante meditação. Hoje em dia andamos demasiado rápido. As pessoas já nem falam em relações. Relações é sexualidade. E, o relacionar-se? O (com)partilhar com o outro? Isso já não é questão… o Miguel Esteves Cardoso, há uns anos escreveu um texto maravilhoso que se intitulava “Como esquecer alguém que se ama?” – na altura pensei em algo muito profundo. Depois adaptei-o para “como aguentar a perda, de alguém que se ama?, porque esquecer, na verdade ninguém esquece. Para nos (re)encontrarmos-nos como pessoas, precisamos refletir, indagar, lutar. Os gregos faziam isso. E não só em relação “ao tudo e ao nada” ou ao “se… então”, mas ao prazer. Não é por acaso que há tanto filosofo vindo da Grécia! Imagine-se Platão e Sócrates, em plenas redes sociais!? – seria fruto de uma risonha alucinação (embora por la naveguem, pelas mãos dos outros!), mas sim, imagine-se…seriam eles compulsivos? Obsessivos? Seria a sua filosofia e saber provisório? Sim, porque hoje em dia, as pessoas não tem continuidade, estabilidade, é tudo demasiado bipolar! O prazer não está nem nas coisas, nem nas pessoas, está numa espécie de fantasia alucinatória, de um buraco negro que nem sabemos onde se situa. A contemporaneidade arruinou a sociedade. A tecnologia consumiu o afeto humano. O que era para Nietzsche, humano, demasiado humano, tornou-se a situação da frustração constante. Um dia estamos no instagram a colocar a nossa melhor foto, no outro dia, podemos estar mortos. A distancia entre o sofrimento profundo e a alegria excessiva é quase nada, ou quase nenhuma. Euforia. Entre o ser e o parecer. Entre o histerismo e a plenitude de alguma felicidade. Coloca-se o ego à frente do ser-se. E por isso estas linhas positivistas e até mindfullsianas, trespassam o narcisismo de cada um de nós, numa sociedade arrebatada por coisa nenhuma. O valor individual não está no que se mostra, mas no que se é. Se não, há um esvaziar constante daquilo que é a nossa própria vida, com uma incapacidade em encontrar – um ou o – sentido. Cair no vazio arrebatador da alma, é fogueira acesa.
Esta doença colectiva. Não sei se recai no inconsciente colectivo da sociedade, se cultural, se universal;ou se é fruto desta massificação capitalista e global que vivemos. Mas vivemos.
Até breve,
V.
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