Não são poucas as vezes que a ficção imita a realidade. Mas quando a vida imita a ficção numa escala alargada e global, então podemos dizer que os Homens estão a ser (re-)ensinados a viver.
Há já muito tempo que vivemos fechados sobre nós próprios, numa atitude individualista e “cega”, face ao outro. Não falo de Portugal, em geral ou no particular. Mas num mundo competitivo em que ganha quem perde mais tempo naquilo a que chamamos viver. O que nos está a acontecer é um pequeno universo concentracionário, onde temos humanos, habitantes de nós mesmos a morrerem às centenas e chegando aos milhares. Vítimas de quê? De uma doença mais pequena que nós mesmos. Silenciosa, mas ruidosa.
Não há ainda uma vacina, e quando existir (sim, porque temos um mundo inteiro a trabalhar nisto, literalmente!) será a mais rápida da História. Antes que ela chegue, o nosso papel é enquanto cidadãos a uma escala micro-e-macro-global zelar com a maior sabedoria e solidariedade pelos que podem cuidar de nós (médicos, enfermeiros, e todos os que não podem ir para casa sem o vírus impregnado), e pelos que cuidaram de nós (pais, avós, familiares….)! Não é assim tão difícil. Só temos que nos proteger, protegendo. Difícil? Não. Fácil? Não. Necessário? Sim. Sabem a velha máxima de “a nossa liberdade termina onde começa a dos outros?” – pois apliquem-na. Não é necessário pedirem a um Estado que vos obrigue a ficar em casa. Nem que declare estado de emergência. Isto diminui a ansiedade e o medo, sim. É legitimo e correto. Mas temos os direitos democráticos que nos evocam, e ao mesmo tempo a nossa liberdade de poder contribuir para o que está a acontecer.
Ninguém é plenamente livre e ilimitado quando vivemos em sociedade. Se assim fosse estava tudo mal. Precisamos, e agora mais do que nunca respeitar o outro. Não dando algo ao outro, mas fazendo pelo outro. Ajudando-o. Sendo consciencioso.
Vivemos no século do tudo, e ao mesmo tempo do nada. Tanta tecnologia, tanto capitalismo, tanta ilusão, tanto progresso irrevogável, tanta redeSocial, tanta manifestação (…) mas a verdade é que o Mundo parou. Literalmente. Não podemos dizer “já viste o que aconteceu na China? Na Coreia? No Irão? Em Itália? Em Espanha? Ou em Portugal? (…)” mas sim “já viste o que está a acontecer ao Mundo?”, a realidade rapidamente se encarrega de nos comprovar. Dia atrás dia, hora atrás de hora (o número de infetados hoje pela manhã era de 201 mil e 514 infetados (quando eu vi!) e agora já ultrapassa os 216.000), sendo para isto necessário e imperioso percebermos que a nossa condição humana ilusória é pequena à luz galopante de todos. É inevitável não aprofundar, é inevitável não existir um confronto com a nossa fragilidade humana.
Bolas, o Coronavírus não é o último grito da moda, está entre nós desde os anos 60… só foi ganhando estirpes e capacidades mais perspicazes e fortalecidas. Dizem agora “pangolinizadas”, enrolando toda a Humanidade no Covid-19. E se refletirmos – isto é somente o reflexo da distância entre o homem capaz, e o homem vítima das suas próprias contingências – parece irreal, e contundente, mas a fragilidade do humano começa no nascimento, e não acaba com a sua morte. Os vírus são tão naturais, como estar ou não estar vivo. Sempre ouvimos falar deles “O que é natural é o micróbio. O resto – a saúde, a integridade, a pureza, se quiser, é um efeito da vontade, de uma vontade que não jamais se deter. O homem direito, aquele que não infecta quase ninguém, é aquele que tem o menor número de distrações possível. E como é preciso ter vontade e atenção para nunca se ficar distraído! Sim, Rieux, é bem cansativo ser um empestado. Mas é ainda mais cansativo não querer sê-lo” – esta reflexão, do livro “A Peste”, de A. Camus, é tão atual, como há 50 anos… Talvez por isto continuemos a ver quem saia para bares e discotecas, para uma fantasia irrealista em que a necessidade de atenção à distração automática não reina, nem o quer fazer. É assumir uma nova condição, e não se querer ser. Mas não será este presente que pode fazer viver ou matar toda a ideia de futuro? Sim!
O comportamento de muitos de nós revela a dificuldade em percebermos quem somos, numa atitude voyorista de que só acontece aos outros. Recusamos-nos a ver o que somos, numa espécie de nos podermos alienar da nossa condição e debilidade. O medo vem atrás de nós, é incansável e frequentemente invencível, para quem o deixa pensar sobre si mesmo (só pode ser esta a explicação para as corridas ao papel higiénico, o primitivo e instintivo da mente humana numa representação externa do “cagaço”). Isto que está a acontecer será inesquecível. O fogo ardeu através de todos nós, e obriga-nos a caminhar, onde tudo ainda parece supérfluo, distante, caótico e sem rumo. E nós perguntamos qual será o nosso destino?
Não sabemos. Estamos a caminhar passinho, a passinho. Tal como no início de uma terapia, onde se chega com medo, e não se sabe onde se irá chegar ou que fronteiras serão ultrapassadas. É importante promover o autoconhecimento da humanidade através da auto-capacitação com plena integração da mente. Não procuro um otimismo excessivo, nem um fatalismo terrorífico. Estou preocupada, como a maioria de nós, com o destino do ser humano individual, embora acredite na ciência e na capacidade inacreditável que temos de reagir perante o medo e os confrontos com realidades difíceis.
Vivemos num tempo de mudanças dramáticas e exponenciais. Concordo com a previsão da singularidade iminente, promovida por uma tecnologia e uma ciência galopantes onde os valores eclipsam com uma “inteligência artificial” dominante no planeta. É necessário ter esperança na humanidade – com consciência e individuação. Sem narcisismo e egoísmo. O significado do que é ser-se humano é tão frágil e forte quanto o fio da sua consciência. A perda do individuo como um episódico cénico kafkiano pode levar a considerações utilitaristas. Precisamos de unidade. Só a unidade pode levar ao combate.
É necessário sentarmo-nos. É necessário falarmos. Não desabafar. Mas discutir criticamente. Por vezes até com o nosso adversário. O que está a acontecer é um reflexo em espelho do mundo em que vivemos. E escolhemos viver. Sem eufemismos ou metáforas. Um mundo caótico. Vulnerável. Onde por mais que a ponhamos à prova, a tecnologia não é nada sem a mente humana. É o perplexo. O absurdo. O irreal. E, até imoral. Precisamos de parar. Parar, observar. Parar e ver. Parar e sentir. Já não podemos ficar somente a saber das coisas que acontecem e continuar a viver. O mundo parou. Cada país. Uns mais do que outros. Não nos atingiu a todos ao mesmo tempo. Vai acontecendo gradualmente. Precisamos tal como disse uma vez Saramago, olhar para o problema e reconhecê-lo. Não entrar em negação ou eufemismos de só acontece aos outros.
Não pretendo debater questões políticas, nem económicas, nem sociais, muito menos religiosas ou da conspiração (…) Mas podia! -, o que não falta são evidências dos interesses por detrás da “máscara do Corona” … e dos grandes, como sempre. É tão interessante como perceber que a Europa, continente central entre potências, passou a ser o Epicentro da Pandemia. Guerra branca, diria eu, mas (…) enquanto os significados do insignificante nos produzem um ensaio sobre a cegueira, parece que está tudo bem (Não está!) e a prova disso é este momento da História em que não existem estórias, apenas um caos difuso e comum a todos. Com vidas separadas ao nascimento, e mortos que não podem ter uma despedida. Com fronteiras e exílios. Separações e imprevisão de reencontros.
Vivemos sob a ameaça de um vírus com coroa, que de forma invisível colocou tudo o que andávamos por aqui a fazer. Agiu sem ser visto. E perturbou o mais ínfimo de todos nós. O tédio. O medo. A sensação de distância forçada. A paragem abrupta do que se conhece. O abandono. A (des)esperança. O tempo. A vida. e a não vida. (…) Numa sociedade de máscaras e dissecada por vezes nas questões estéticas de aliterações e hipérboles, termino com uma frase de Camus … Era preciso apenas começar a caminhar para a frente, nas trevas, um pouco às cegas, e tentar praticar o bem, acompanhado a esperança de que com a mudança da estação, do inverno para a primavera, nos tornemos mais sensíveis e generosos. Sobretudo Generosos, em tudo o que esta palavra implica – Generosidade.
Obrigada a todos os que #nãopodemficaremcasaparanoscuidar. E apesar de tudo, #tudovaificarbem. Afinal no meio de algo sempre trágico e falido há um "belo" que renasce, neste momento - a Mãe-Natureza -, que tem vindo a agradecer e a devolver os “filhos” ao seu habitat natural, que com certeza ganhou novas cores e ficou mais bonito.
Até breve,
V.
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